Religião egípcia: ritual sagrado revivia os mortos
Manter
viva a lembrança do falecido garantia o direito a uma nova existência no além.
Mas antes ele era julgado pelo deus Osíris. Se fosse reprovado...
01/06/2007 00h00
O culto funerário era fundamental
dentro das crenças egípcias. A morte era uma etapa que conduzia a uma forma
melhor de vida. Isso não significa que eles não curtissem viver. “Gostavam
tanto do lugar onde moravam que, para eles, o paraíso era uma reprodução
aperfeiçoada do rio Nilo e do Egito, com abundância de frutas e outros
alimentos”, diz o egiptólogo Antônio Brancaglion Júnior.
Eles temiam mesmo o que chamavam de
segunda morte, a definitiva, que era o esquecimento completo do morto por seus
parentes vivos. O destino da segunda vida do sepultado estava nas mãos dos
familiares, que deviam renovar periodicamente as bebidas e os alimentos na
tumba. O responsável pela tarefa era o filho mais velho.
A maioria preparava em vida a própria
sepultura – como as três pirâmides de Gizé. As paredes traziam inscrições e
pinturas, principalmente nas tumbas de famílias reinantes ou aristocratas.
“Eles acreditavam que os desenhos criariam vida e lhes trariam o sustento na
outra existência”, diz Brancaglion.
SEM CÉREBRO
Como iriam viver de novo, precisavam
de seus corpos no melhor estado possível. É aí que entram os mumificadores.
Eles levavam o corpo para a tenda de purificação e aplicavam uma solução de
natrão, um tipo de sal que resseca a pele. O cérebro era removido pelas narinas
com um gancho de ferro e as vísceras eram retiradas, com exceção do coração e
dos rins. Os órgãos eram depositados nos canopos, vasos decorados com a cabeça
dos quatro filhos do deus Hórus, e depois colocados no sarcófago. As cavidades
eram preenchidas com resina e substâncias aromáticas. As bandagens eram feitas
com linho. O processo todo levava cerca de 70 dias.
JULGAMENTO CRUEL
Dentro do sarcófago ia o Livro dos
Mortos, com encantamentos mágicos que deveriam ser recitados pelo defunto. Ele
ressuscitaria do outro lado graças a um ritual chamado “abertura da boca”. O
sacerdote ou um parente tocava a boca do morto com um instrumento de metal para
que ele pudesse dizer as palavras necessárias na hora do julgamento.
Esse julgamento era feito por Osíris
e seus 42 assessores. Diante de cada juiz, o defunto declarava não ter cometido
determinada infração. Seu coração era então pesado numa balança. “Se pesasse
mais que a pluma da justiça de Maat, a deusa da ordem universal, o morto seria
engolido por um monstro em forma de crocodilo, leão e hipopótamo e teria,
assim, uma morte definitiva”, diz o historiador Ciro Flamarion Cardoso, da
Universidade Federal Fluminense. Não existiam livros sagrados; as crenças eram
passadas oralmente de pai para filho.
NO INÍCIO ERA O MAR
No começo havia o oceano primordial,
de onde surgiu Rá, que expeliu de sua boca Seb (o deus Ar) e Tefnut (Umidade).
Deles nasceram Geb (Terra) e Nut (Céu), pais de Osíris, Ísis, Seth e Néfits.
Depois deles vieram todas as outras divindades, que somam mais de 2 mil.
Os egípcios começaram a adorar seus
deuses antes das dinastias e dos faraós, principalmente sob a forma de animais
(leão, chacal, falcão, crocodilo, vaca, carneiro e gato). Com o tempo, as
divindades passaram a ser representadas também nas formas humana e híbrida
(corpo humano e cabeça de animal).
NUA COM O TOURO
Não havia rituais para casamentos e
nascimentos. A população praticava magias, desde a alta sociedade até o
proletariado. As mulheres que queriam ter filhos costumavam ficar nuas diante
de touros sagrados, tidos como símbolos de fertilidade.
Deuses
a granel
Os
egípcios cultuavam mais de 2 mil divindades, mas uma de cada vez
Hórus
Deus do céu e da ordem, filho de
Osíris e Ísis. Tem como símbolo o falcão, já que a ave é capaz de voar muito
alto, em direção ao Sol
Hathor
Filha de Rá, deusa-mãe protetora das
mulheres, do céu e das árvores. Representa a música, o perfume, a embriaguez e
a fertilidade
Anúbis
Deus-chacal, guardião dos mortos e
patrono dos embalsamadores. É o guia dos humanos para o mundo dos mortos
Amon
Senhor do ar e dos ventos e patrono
dos navegantes. Representa o sopro que vivifica o universo. Tornou-se o deus
principal com a reunificação do Egito
Osíris
Soberano do mundo dos mortos e da
ressurreição, é um dos deuses mais populares do Egito antigo. Entende a língua
de todos os homens
Rá
Deus-sol, identificado por um disco
solar na cabeça de falcão. É o Pai, o criador dos homens e da vida na Terra e
no céu
Ísis
Deusa da criação e restauradora dos
mortos. É esposa fiel de Osíris, guardiã e mágica. Mais tarde, torna-se
importante também em Roma
Seth
Deus da desordem, dos desertos, das
tempestades e da guerra. Representado por um animal não identificado ou por um
homem com cabeça de bicho
Para
saber mais
• As Religiões no Egito Antigo –
Deuses, Mitos e Rituais Domésticos, Byron E. Shafer (org), Nova Alexandria,
2002
• Deuses, Múmias e Ziggurats – Uma
Comparação das Religiões Antigas do Egito e da Mesopotâmia, Ciro Flamarion
Cardoso, Edipuc-RS, 1999
• Deuses, Faraós e o Poder, Júlio
Gralha, Barroso Produções Editoriais, 2002
Show
de decoração
Cada
detalhe tinha um significado e tudo seria útil depois que a múmia ressuscitasse
RETRATOS DA VIDA
As famílias mais ricas contratavam
artesãos para decorar as paredes da tumba com cenas da vida cotidiana. Os
sarcófagos traziam trechos do Livro dos Mortos ou relatos sobre a vida do
falecido
SOB MEDIDA
As múmias eram postas em esquifes
feitos sob medida. Embalsamar o corpo tinha a função de conservá-lo para que o
morto se reconhecesse quando despertasse na outra vida. As vísceras ficavam em
vasos. Junto com a múmia, iam os shabits, bonecos talhados em madeira ou pedra
que seriam servos do morto no céu. Podiam ter a aparência do falecido
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