quarta-feira, 3 de março de 2010

Já chorei no escuro

Já olhei para o chão com medo de pisar em formiga
Já li livros inúteis
Já sonhei com o anarquismo
Já fui feliz saboreando um doce de abóbora

Já sonhei com o Rio de Janeiro como se fosse o paraíso
Já tive medo de ficar sem os meus pais
Já chorei no escuro
Já declamei Neruda como quem descobre o sabor da vida

Já olhei para as telas de Dalí me sentindo pequeno
Já fiquei em silêncio por não comprender uma mulher
Já fui à pé, apesar de ter dinheiro no bolso
Já fumei

Já bebi álcool, cerveja, cachaça, apenas para me sentir melhor
Já escolhi andar por uma rua na esperança de encontrar um tesouro
Já tive a certeza que a chave de todas as incógnitas da vida estavam nas mentes dos cientistas e dos poetas
Já colecionei tampinhas de refrigerantes
Já sonhei com um amor em noite fria
Já dormi uma noite fria ao lado de um amor
Já aglutinei tanto amor por meus filhos que seria capaz de suportar o mundo com meu coração
Já amei Fassbinder
Já corri para comprar o último disco de Caetano
Já vivi a poesia
Já guardei meus professores na mais alta gaveta de minha alma
Já descartei os ditadores da eternidade
Já ri da filosofia
Já fiz da história minha bandeira, trêmula e alta, assim como deve ser os sonhos
Já quis ser águia, quando tinha vocação para pardal
Já roubei um álbum de figurinhas e o escondi com mentiras
Já andei na praia pensando em uma flor

Já vi estrela cadente, cachorro quente, lepra, aids, vício
Já senti a dor da fome, a estupidez do poder e o caos da miséria
Já senti as gotas da miséria em noite de chuva
Já vi Deus nos olhos de um mendigo
Já li Milton Santos como um fiel
Já gritei por Marx, Proudhon e os existencialistas

Já me senti feliz após um telefonema
Já enviei carta que nunca chegou
Já recebi e-mail que não queria ter lido
Já não tive pão

Hoje colho as pétalas que caem dos olhos das crianças.


Adilson Campos Calasans.

Um comentário:

katia disse...

continuo lendo livros inúteis(o pior foi a Constituição Federal\88)
continuo saboreando dos cafés mais amargos,
continuo com medo de ficar sem meus pais,
continuo em silêncio por não entender minha alma de mulher,e por não entender o coração dos homens,
continuo acreditando que a chave de todas as incógnitas estão guardadas dentro da minha caixa de pandora,
e continuo com medo dela,
continuo com as palavras escritas e não escritas que nunca enviei aos destinatários,
mas continuo sorrindo com as que chegara até mim
continuo chorando no escuro,por uma vida que ainda nem vivi...
abraços com saudade das conversas regadas a poesia!!!